Mal acabei de assistir a “O curioso caso de Benjamin Button” e já tinha em mente o que queria escrever. Mal cheguei em casa e comecei a fazer algumas anotações. Tinha idéia do começo, já tinha a frase derradeira, a nota e sabia sobre o que não queria escrever.
Não queria falar sobre tecnologia incrível, que coloca Brad Pitt como um velho de 80 anos e depois bem jovem, como em Thelma e Louise. Nem de Cate Blanchet, que é tão talentosa que mesmo sendo feia como é, convence interpretando uma mulher bonita. Nem dá para dizer de David Fincher e notar como é um camaleão ao dirigir filmes como Seven, O Clube da Luta (ambos com Pitt) e recentemente Zodíaco. Atingiu a maturidade. Também não vou dizer que a fotografia é impecável e fico imaginando o quanto o roteirista Eric Roth poetizou em cima do conto de F. Scott Fitzgerald.
Nada disso seria importante se não fosse a história, que nem é tão sobre o cara que nasce fisiologicamente velho e vai se tornando jovem com o tempo. É sobre sua temática: tempo, escolhas e oportunidades. Bom, aí pensarão, mas muitos filmes são sobre isso, bem como a maioria dos romances. Mas a forma como é contado, com muita leveza e uma certa ironia, que faz o comum se tornar tão belo. Não prejudica nem mesmo todos os chavões e clichês jogados no filme: “Nossas vidas são definidas por oportunidades, mesmo aquelas que perdemos.”; “Algumas vezes estamos em uma rota de colisão, mas não sabemos.”; “Você nunca sabe o que está reservado para você.”; “Na vida a gente pode ir contra muita coisa, brigar, amaldiçoar, mas quando o fim chega, não tem como fugir... ”; “Ninguém é perfeito para sempre.”; “É uma criatura de Deus”. Aliás, os chavões se justificam porque o narrador, embora tenha tido algumas aventuras interessantes era simples e pouco letrado e sua proposta não era a de um “great american novel”.
Agora eu digo, se você não viu o filme pare por aqui, mas você irá continuar a ler mesmo assim, não é mesmo?
Desde o início, as escolhas da direção e do roteiro se mostraram acertadas: o prólogo do relógio com ponteiros que giram em sentido anti-horário na estação de trem, a adoção de Benjamin pela mãe negra que encontra em um bebê branco com aparência de velho (com todos as doenças de um velho em estágio terminal) uma dádiva de Deus, já que ela não podia ter filhos, passando pelo milagre de ela conseguir dar a luz a uma menina, o que explica uma outra frase-chavão do filme: “as coisas não mudam, a gente é que muda”. E quantas reflexões é possível fazer na cena em que Benjamin começa a andar? “Deus dá mas também Deus toma”.
Também foi acertada a construção do pai de Benjamin, que numa atitude irascível quer se livrar do monstro que veio ao mundo e só não jogou-o ao mar porque foi surpreendido por um policial, tenta se purificar acompanhando de longe o crescimento do filho. À distância, o pai não podou o filho, ao contrário do que aconteceu com o rebocador, outro personagem marcante.
Ironia e humor pontuam o romance que poderia facilmente se entregar a um dramalhão. O asilo onde Button passa boa parte da sua vida serve como alívio cômico, tanto na velhinha que cantava Vagner, ou do esclerosado que foi atingido 7 vezes por raios, ou o pigmeu amante e aventureiro. Mas este asilo tem tantos porquês e complexidade que não vou me alongar mais neste personagem do filme. Personagem? Sim.
Devo confessar que me deliciei também com os personagens secundários na parte central da história, principalmente pelo romance com Elizabeth Abott, que o ensina a ser homem. Não tem como não ficar com o mesmo sorriso discreto na cena em que ele a vê pela TV, entregando seus pensamentos que só ele e nós, expectadores, sabíamos do porquê.
Com ironia, mas também com muita poesia que Roth e Fincher construíram um romance com Daisy que tinha tudo para fracassar. Desde o primeiro encontro na infância, que aos olhos do mundo pareceria pedofilia, ao reencontro de uma jovem que queria transar enquanto ele queria um romance, passando pelo (des)encontro em Nova Iorque e o desastre em Paris. Ao se encontrarem aos 40 anos, descobriram-se estar no tempo certo. Nem antes nem depois do que deveria ser (olha aí mais um clichê). A gravidez de Daisy marca o início do fim do romance com Benjamin. Como ele poderia ser pai se estava ficando cada vez mais jovem? Haveria um momento em que a idade da filha que nascera e a aparente idade dele iriam se encontrar… Button não queria que Daisy cuidasse de duas crianças, ao passo que ela tinha medo de que ele a rejeitasse pela sua aparência envelhecida. Não tem como achar romântico, ao mesmo tempo erótico e risível (muitas coroas se imaginaram na cena) uma Daisy de 60 anos abraçando um jovem Brad Pitt de 20 anos. “Você tinha razão, eu não sou tão forte assim”, dissera ela um pouco antes.
Apesar disso, dá pra dizer que Pitt, numa atuação brilhantemente contida é o elo da história de três mulheres fortes: sua mãe adotiva, da mulher que o fez homem e Daisy, o grande amor da sua vida. Sua vida sempre ao acaso e impulsiva só teve seu momento de decisão pensado e amadurecido quando abandonou Daisy para que esta não o visse rejuvenescer para morrer. Mas nem isso ele conseguiu fazer.
E por fim, não comparem com Forrest Gump. É injusto.
Apesar do clichê, vou dizer: é o melhor filme vi este ano.
Nota 10
PS. Benjamin Button acabou de ser indicado em 13 categorias para o Oscar, incluindo ator, atriz coadjuvante e filme e direção. Para ver a lista completa, clique aqui.
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