A produção de Joaquim Pedro de Andrade é um marco na história do cinema brasileiro pro vários motivos. O diretor conseguiu fazer uma adaptação da obra-prima de Mario de Andrade quase a altura do original; conseguiu fazer várias críticas a ditadura mas como os milicos estavam mais preocupados de o filme não mostrar peitos e bundas que não se atentaram a isso, e isso em 1968. Conseguiu fazer uma crítica social a quase todos os tipos sociais e do Brasil. E principalmente, conseguiu fazer um filme bom que caiu no gosto de pobres e ricos à época, apesar de seu roteiro pseudamente absurdo e visual esteticamente espalhafatoso, mesmo na época da Tropicália, e ter sido ignorado no exterior.
Ou seja, para mim, a forma como Andrade (o diretor) imprimiu Macunaíma, como o herói sem nenhum caráter e preguiçoso foi engolido pelo Brasil só dá pra ser entendido por brasileiro. Senão fica difícil entender a participação de Curupira, por exemplo. Mas quase todos os personagens são importantes e o resultado é de se admirar por horas depois do filme terminado.
Desde Paulo José fazendo a mãe que pariu Macunaíma ainda preto (Grande Otelo), e depois interpreta a versão do Macunaíma que vira branco só porque saiu da aldeia (pensem no simbolismo que era a fonte que o transforma); do cigarrinho marvado que fazia uma índia (Joana Fomm) vê-lo como um príncipe; dos irmãos igualmente preguiçosos mas menos criativos (Milton Gonçalves e Rodolfo Arena) ao fato de na aldeia eles serem brancos ou negros, sem aparência de índio, a não ser pelo mito de preguiçoso, revelado diversas vezes na fala “Aaaaaii, que preguiça”. Mas olha a singeleza do diretor. Macunaíma criança comendo terra e seu irmão perguntando: “Ta gostoso, coração, ta?”.
Tudo é uma sátira muito bem pensada, às vezes escrachadas para o riso fácil, às vezes sutil, para os mais atentos e posicionados politicamente.
Na cidade grande, outros tipos são ridicularizados. A mais interessante é Ci, interpretada por Dina Sfat, uma guerrilheira resistente a ditadura, ninfomaníaca e que adora dinheiro. Os duelos de Macunaíma com o gigante Pietro Pietra (Jardel Filho) representam a dificuldade que os menos abastados tem de subir na vida.
Quase no fim do filme Macunaíma e seus irmãos desistem da cidade grande depois de a a terem ganho (a cena deles chegando a sua antiga aldeia, destruída pelo tempo e sem plantações, com vários eletrodomésticos é de um sadismo inquietante) e vão buscar o destino. Uma das mudanças mais marcantes em relação ao livro de Mário de Andrade, em que o anti-herói se transformava num mito brasileiro.
Enfim, creio que a mudança da história do livro para o cinema fora necessária para o diretor se propunha, como na cena da feijoada humana (no filme) em vez da macarronada (no livro) e de Mario não precisar onde Macunaíma teria nascido, mas Joaquim mostra exatamente onde.
Para o que Andrade queria (e fez) retratar se saiu muito bem (apesar do péssimo áudio, mesmo na versão restaurada, lançada em DVD no ano passado). Afinal, “muita saúva e pouca saúde os problemas do Brasil são”.
Nota 09
Brasília, contradições de uma cidade nova
Tecnicamente não é dos mais bem feitos, mas o roteiro é muito bom e a gente quase se engana, nos primeiros cinco minutos, achando se tratar de um documentário oficioso, numa narrativa à la Repórter Esso.
Nota 08
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