Cinema, Aspirinas e Urubus

Cinema, Aspirinas e Urubus não é nada do que imaginei, já que o havia julgado mentalmente sem vê-lo, dado ao seu título esquizofrênico. Isso significa que não poderia imaginar que o aplaudido filme do estreante Marcelo Gomes fosse tão bom.

A história road-movie sertaneja é simples demais e dá medo narra-la e acabar afugentando possíveis espectadores quando o que eu quero é justamente o contrário. Já que o forte da história são os dois personagens principais. Um alemão Peter Ketnath/Joahann percorre o sertão na década de 40 apresentando um novo produto, a Aspirina. Para convencer os moradores das comunidades por onde passa ele usa uma ferramenta que ainda é mágica hoje em dia, imagine no sertão brasileiro há 60 anos: o cinema.

Joahann, que viajou pelo mundo fugindo da guerra e veio parar no Brasil é um homem simpático que em sua aventura agreste dá carona em seu jipe a quem pede. Um desses caroneiros é justamente João Miguel/Ranulpho, meu candidato a ser um dos personagens mais memoráveis do cinema brasileiro.

Carrancudo, mas de bom coração, tem várias tiradas geniais ao longo da projeção, principalmente com o estranho preconceito que tem para os mesmos de sua origem. Em uma de suas tiradas, ele está com uma dor de cabeça terrível e o alemão recomenda que ele tome uma aspirina. Sua resposta: já tomei um monte disso e não serve pra nada.

O diretor consegue mostrar uma realidade ainda hoje existente nos rincões do Brasil sem pieguice, sem caricaturas e sem panfletagem. As críticas sociais há, mas são sutis, que só cabem ao espectador mais atento. Aos desavisados, é uma comédia simpática.

No final da história, quando os letreiros começaram a subir ficamos sabendo que o filme foi inspirado num relato de viagem de um certo Ranulpho Gomes, avô do diretor. Isso dá um novo desfecho. Incrível, sincero, profundo, divertido e emocionante, Cinema, Aspirinas e Urubus é mais que cinema, é literatura em imagens.

Nota 09